O caruru, na minha modesta opinião, não é uma, mas são três coisas… tudo ao mesmo tempo agora.
A primeira e mais óbvia definição é que o caruru é um prato tradicional bahiano, feito à base de quiabo, camarão seco e azeite de dendê.
Essa é a parte que todo e qualquer não-bahiano entende o conceito. O caruru é uma comida.
Mas a palavra caruru, também nomeia um conjunto de comidas servidas num mesmo prato, dentre elas o próprio caruru feito de quiabo e tal e coisa. Imagine um prato de porcelana imaculadamente branco… imaginou? Agora vamos começar a compor o prato de caruru, para simplificar, começe colocando uma colher de caruru (aquela parte feita de quiabo), ajeite direitinho para não ocupar muito espaço no prato, afinal isso é só o começo. a seguir uma colherada de arroz branco, outra de feijão fradinho, uma de farinha amarela, outra de vatapá… não mistura nada, cada coisa no seu cantinho. Ainda falta o xinxin de galinha – uma galinha preparada com camarão seco também.
Pronto, essa é a parte simples.
Mas não termina aqui… O caruru é também uma festa. Em geral uma pessoa oferece um caruru para retribuir, compartilhar uma graça recebida. Em troca do pedido divino concedido, essa pessoa compartilha suas bençãos com os outros. Tanto maior a graça maior o caruru. O tamanho do caruru, que também está relacionado às posses das pessoas pode ser medido em quiabos: um caruru pequeno é de 300 quiabos, um caruru médio de 600 quiabos, uma caruru grande, 1000 quiabos.
Pois bem, no dia do caruru a casa do anfitrião ou da anfitriã, fica aberta a quem chegar… ou pelo menos era assim no meu tempo lá em Paripe. Hoje em dia com tantos portões, muros altos e porteiros eletrônicos, não sei como alguém pode manter a casa aberta… Mas lá em Paripe… A casa ficava aberta e a regra sempre foi: não se nega comida a ninguém enquanto tiver caruru.
Se o caruru é de Santo, ninguém come antes dos sete meninos. Isso quer dizer que, se quem está oferecendo o caruru é praticante de uma religião afrobrasileira, o ritual exige que sete meninos comam antes de todos, eles sentam ao redor de uma grande bacia no centro da sala e comem com a mão. Eu nunca quis ser um dos meninos… achava meio estranho… Mas só porque não podia menina, eu sempre tinha uma grande curiosidade.
O caruru sempre começava muito cedo na minha casa. Todas as mulheres da família vinham ajudar a preparar o caruru da casa da minha vó.
Antes da festa à noite minha avó vinha segurando a saia do vestido cheia de doces… Jogava para cima… ela gritava uns versinhos e a criançada respondia em coro:
– galinha gorda!
– gorda!
– Pra cima ou pra baixo?
– Pra cima!
E pra cima ela jogava as balas, nós nos acotovelavamos catando os doces pelo chão.
Sinto falta de tudo isso… E também sinto falta da minha avó. Hoje mais do que nunca.