Um dia frio

“Eu tava triste,tristinho…”
Quando o Baleiro canta isso tem mais graça, aliás a tristeza é muito linda na música, nada bonita no coração da gente.

Ai que raiva da Maitê Proença!

Uma vida inventada memórias trocadas e outras histórias. Esse é o livro que leio antes de dormir… 15 minutos ou o quanto agüento…ou o que o sono deixa… o que vier primeiro.

Em geral o que vem primeiro é uma raiva dela… da Maitê. Vontade de não ler mais nada para não ficar dando ibope…ou continuar lendo pela doce vingança  de contribuir para fazer pública sua dor, sua intimidade… ser mais uma estranha lançando o olhar imundamente curioso sobre sua vida espalhada ali para quem quiser ver…

Ai que raiva!

Respiro fundo… não sou dada a raivas, ainda mais por gente que não conheço de verdade, que não me fez mal algum… Mas não posso evitar, é como se ela escrevesse para me magoar… como se revelasse tanto de si para me confrontar…

Eu me pergunto se alguém pode mesmo viver a vida assim, com tanta consciência… com tanta ciência de si mesma o tempo inteiro, e eu mesma me respondo: claro que não! Ela finge! Usa truques de escritora e atriz para construir uma vida que parece cheia de aventuras e profundezas…

Mas de verdade alguma coisa me faz desconfiar que não… vai ver que foi isso mesmo, que a menina pensou durante partida de soft-ball, sentiu o cheiro de mofo na cama, percebeu o mundo ao seu redor enquanto sua mãe… morta lá não sei onde, escondida (espero) dos olhos, da curiosidade mórbida de todos nós.

Ai que raiva de mim… morna.

Eu que fico inventando dores, que fico inventando aventuras… nada me toca, e isso é assustador. Eu tento… mas não adianta.

Talvez seja por causa do medo… me dou conta que a maior parte do tempo o que sinto é medo. Finjo que não… mas sinto medo.

O medo maior, e talvez único: não vão gostar de mim. Tenho essa certeza quase absoluta de que não vão gostar… e para garantir que gostem fico morna: nem quente nem frio, nem doce nem salgado… nada de extremos… sempre aqui pelo meio…

Ai que raiva de mim…

E agora parece que me perdi de vez: quero achar minha voz, mas escondi por tanto tempo e tão bem escondida que não consigo ouvir o que a tal voz fala.

E tanta gente quer me ajudar que aaaahhhhh…. muito eco. Não consigo ouvir a voz.

E ai vem as maluquices: e se eu tivesse um câncer, um acidente de carro… sei lá, uma experiência tão forte que me arrancasse do transe?

Qual nada! O ano passado fui assaltada a mão armada, grávida de 5 meses… fiz xixi nas calças e pronto… nenhum trauma. Só fiquei preocupada com o dinheiro que era da ONG, com o banco do carro do meu amigo (e o que iam pensar de mim)… Mas nenhuma epifania, nenhuma revelação… perdi a oportunidade.

Vou escrevendo e a raiva da Maitê vai passando. Passando pra onde? Vinda de onde? Não sei…

E o que não sei de mim anda me intrigando tanto.